A pesca tem sido um sector permanentemente adiado e sempre com muitos problemas estruturais. Nesta entrevista exclusiva ao «Mundo Português», José Apolinário, presidente do conselho de administração da DOCAPESCA, traça um quadro nem pessimista nem optimista, mas muito pragmático de um sector que se quer revitalizar e sobretudo crescer. É que nem só de mar vive a pesca, pois a aquicultura está a dar os primeiros passos, e se até agora tem sido ainda pouco consistente, no futuro vai ter de ser mais criativa e sobretudo mais geradora de valor.
O que é neste momento a DOCAPESCA e quais são as suas funções?
A DOCAPESCA é uma empresa essencial para toda a fileira da pesca. É essencial porque organiza a primeira venda de norte a sul do continente, garantindo condições sanitárias nas lotas e em todo o procedimento de apoio ao sector produtivo. É um parceiro bastante activo da produção, dos armadores, dos pescadores e também dos comerciantes, desempenhando hoje um papel incontornável na fileira do pescado em Portugal.
Mas quando saiu de Pedrouços ficou-se com a ideia de que tinha acabado a DOCAPESCA…
A saída de Pedrouços coincidiu com a restruturação da empresa e isso poderá ter criado a ideia de que a empresa tinha acabado, e de facto em Lisboa acabou porque o Estado tomou a decisão estratégica de avançar com a segunda venda no MARL (Mercado Abastecedor da Região de Lisboa), assim separando a segunda venda do mar. De qualquer forma, pessoalmente, penso que este estuário do Tejo deve ter um porto de pesca, embora de menor dimensão do que Pedrouços, mas deve ter o seu porto de pesca. É um sentimento que passa por todos os que têm ligação ao mar.
A DOCAPESCA prossegue o seu trabalho. Qual é afinal a sua missão?
Com a desactivação de Pedrouços assistiu-se ao reforço do papel de Peniche, Sesimbra, a Norte, Matosinhos. Hoje as nossas prioridades são a qualidade e segurança alimentar, readaptação da rede de lotas e postos de venda, tendo em vista a racionalização dos mesmos, criando a denominação de marca do pescado através de um projecto de “comprovativo de compra em lota” desenvolvendo a ideia de que o bom pescado é da lota ligada ao respectivo porto de pesca.
Para além disto a missão da DOCAPESCA desenvolve-se também na modernização através de sistemas de gestão, e vendas on-line, eficiência ambiental e energética, informatização, e depois também abertura ao sector porque a empresa é parceira activa da indústria de conservas, da fileira do pescado, dos comerciantes, dos diversos grupos de acção costeira, tendo vindo a trabalhar também uma parceria muito interessante com o turismo nomeadamente as escolas de hotelaria através das diversas acções de promoção com a gastronomia. Temos trabalhado também a ideia de que o pescado é saúde, através da ligação ao consumidor e da informação dos benefícios do «Ómega 3», e tudo isto com base na valorização de base do pescado português.
Temos realmente o melhor peixe do mundo?
A ideia de que Portugal tem, por razões de confluência e proximidade com o oceano “o melhor peixe do mundo” advém também do facto de ainda existir uma pesca artesanal e costeira que se desenvolve junto à costa com pouco tempo a decorrer entre a captura e o consumo o que nos permite ter de facto o melhor peixe do mundo. Pela nossa parte temos procurado fazer essa valorização também em colaboração com as escolas de hotelaria e turismo desenvolvendo uma grande cooperação de parte a parte e está com bons resultados.
Quais são as fontes de receita da DOCAPESCA?
A empresa não recebe indemnizações compensatórias pela sua actividade de serviço público, vivendo apenas das taxas do pescado cobradas aos comerciantes e armadores. Reduziu o número de efectivos, tendo hoje 466 funcionários de Viana do Castelo até Vila Real de Santo António. Em 2012 apresentou um resultado operacional positivo de 2 milhões e 200 mil euros, o que acontece pelo segundo ano consecutivo já que em 2011 também apresentou um resultado próximo dos dois milhões e tem actualmente um volume de negócios da ordem dos 26 milhões de euros e é responsável por organizar em lota, negócios na ordem dos 200 milhões de euros.
Pode dizer-se que a DOCAPESCA é a dona das lotas em Portugal?
A DOCAPESCA limita-se a prestar serviços, mas não é das lotas tendo apenas a seu cargo a gestão das lotas e nalguns casos também dos portos de pesca como é o caso de Matosinhos, Setúbal, Sesimbra e Sines…
A DOCAPESCA é uma empresa pública a quem o estado confiou a gestão das lotas para que se organizem os serviços com qualidade, com controle veterinário. É à DOCAPESCA que compete promover a constante melhoria dos serviços, neste momento temos em curso um investimento de 10 milhões de euros na requalificação das lotas sobretudo na vertente da segurança e qualidade alimentar e no sentido da melhoria permanente da qualidade do serviço prestado.
Por outro lado é a DOCAPESCA que garante o pagamento ao dia e à semana do pescado transaccionado em lota e somos também um parceiro muito importante para a indústria conserveira e organizações de produtores.
A famosa campanha da cavala para valorização da espécie é também uma vertente do trabalho da DOCAPESCA?
A empresa decidiu há alguns anos apostar na nominalização do peixe português através de uma campanha designada por “Comprovativo de Compra em Lota” tentando desenvolver o conceito de que o peixe fresco é da lota. Ao mesmo tempo temos procurado valorizar espécies junto do consumidor final porque o peixe de captura tem vindo a estabilizar, embora hoje em dia se pesque menos do que há quinze ou vinte anos atrás, nos últimos 10 a 12 anos há uma estabilização, por isso mesmo é necessário aproveitar melhor aquilo que se pesca. Esta acção tem em primeiro lugar benefícios para os pescadores, já que o seu rendimento está intimamente ligado ao preço de venda em lota. Em geral o pescador tem um salário baixo, tendo depois uma percentagem variável sobre o valor da venda em lota, por isso a valorização é positiva para os pescadores portugueses.
Ao longo de 2012 temos associado o comprovativo de compra em lota à promoção de algumas espécies em concreto. Centramos esta estratégia mais na cavala porque se trata de uma espécie que tem sido muito desvalorizada pelo consumidor português. Como a sardinha já mereceu uma valorização junto do consumidor tentou-se fazer um maior enfoque na promoção da cavala no sentido de transmitir ao consumidor final a ideia que se trata de uma espécie com que é possível apresentar um prato de baixo custo, mas rico gastronomicamente nomeadamente em Ómega 3, e portanto recomendável para a saúde.
Trata-se de um peixe bastante versátil podendo ser utilizado tanto em entradas de conserva quer nalgumas formas de sushi que agora está tanto na moda, sem quotas fixadas a nível de UE, e portanto vista com agrado por partes de muitos chefes de cozinha de grande projecção. Por isso procuramos ao longo de 2012 e também de 2013 manter uma grande colaboração com as escolas de hotelaria para seduzir os futuros “chef’s”. Desenvolvemos uma séria de acções bastante disseminadas e concretas em todo o território de uma forma persistente e que já teve alguns bons resultados em 2012, traduzidas num aumento das vendas de aproximadamente dois milhões de euros. Agora são já as próprias grandes superfícies que começam a apostar mais na exposição da cavala, por isso vamos prosseguir nessa linha para em 2014 o sector produção possa equacionar uma certificação MSC a exemplo do que já existe para a sardinha, e esta quanto a mim, será a forma de se consolidar em definitivo a valorização desta espécie.
O sector da pesca em Portugal continua vivo?
As capturas de peixe em Portugal estão hoje a um nível bastante estável, apresentando pequenas oscilações anuais , associadas às variações da captura de sardinha que continua a ser a espécie que mais se captura em Portugal. Em 2012 devido a problemas no stock de recurso tiveram de se baixar as capturas em cerca de 30.000 toneladas, mas aumentou em cavala, o que veio compensar parcialmente os rendimentos. Em regra capturava-se uma média de 200.000 toneladas por ano, entre continente e regiões autónomas.
No caso da crise da sardinha há factores que nós não controlamos nomeadamente factores climáticos. É preciso ter em atenção que o sector teve um fortíssimo ajustamento e sofreu a redução de embarcações em resultado das exigências decorrentes da convenção de Montego Bay, que veio alargar as zonas económicas exclusivas para as 200 milhas. A pesca longínqua e mais industrial levou um sério rombo na fase que correspondeu à nossa entrada na EU e criou no país esta ideia de “orfandade” em relação à pesca. No entanto os dados que temos em cima da mesa evidenciam que nos últimos dez anos há uma relativa estabilidade das capturas.
Há menos embarcações mas as que existem são mais eficientes, e os meios tecnológicos são também mais eficientes e portanto nesse ponto de vista eu diria que a situação da pesca em Portugal é relativamente sustentável porque se trata de uma pesca costeira com mais de 90% das embarcações até 12 metros. É um sector onde há dois anos faltava mão de obra, teríamos aí umas duas mil pessoas a trabalhar na União Europeia. Neste ano em resultado das dificuldades de outros sectores há um regresso à actividade da pesca e hoje há mais pessoas a procurar trabalho nesta área. Não podemos no entanto esquecer que o futuro da pesca estará sempre dependente de uma adequada gestão de recursos porque não é possível fazer a multiplicação dos mesmos que no caso da pesca implica preservar os juvenis e fazer uma gestão sustentável. O potencial de crescimento em quantidade está mais do lado da aquicultura sobretudo nos bivalves, e julgo que nos próximos 6 a 7 anos é possível perspectivar um bom crescimento desta área…
A aquicultura está a dar os primeiros passos em Portugal. Há futuro?
Infelizmente já deu os primeiros passos e já consumiu muitos milhões de euros sem que se tenham visto resultados muito significativos em termos de produção. Eu diria que é preciso mais formação, mais gestão e certamente maior cooperação da parte do Estado, mas tem de haver também, mais massa critica do ponto de vista empresarial para que estes investimentos não durem apenas enquanto há fundos comunitários.
Há alguns armadores da área da pesca que têm vindo a investir nesta área com algum sucesso, mas é um processo ainda em formação. Sobre esta matéria é preciso ter maior investimento na área da formação e gestão empresarial, e na promoção e valorização dos produtos da aquicultura, porque há projectos sustentados na base da “folha excell”, mas depois na prática as coisas já não são bem assim…
O governo aponta o ano de 2020 o ano do fim da dependência dos produtos alimentares do estrangeiro. Também é assim nas pescas?
Este alinhamento para 2020 tem de ver com o quadro comunitário que se estende de 2014 a 2020 e a estratégia 2020. Se me perguntar se vamos ser auto-suficientes na pesca em 2020, entendendo o sector como pesca e aquicultura eu sinceramente acho que podemos vir a diminuir substancialmente a nossa dependência na área da pesca, mas continuarão a existir desequilíbrios.
Há três razões que justificam esse desequilíbrio neste momento. O primeiro é o nosso enorme consumo de bacalhau e certamente vamos continuar a ser consumidores do produto, até porque com o aumento do stock e das capturas a nível mundial que se está a verificar o preço tenderá a baixar, logo o consumo tenderá também a aumentar.
O segundo facto e é o salmão. A Noruega produz mais ou menos 500 mil toneladas de salmão em aquicultura e tem como objectivo chegar a um milhão de toneladas em 2025. Portugal está a aumentar as importações de salmão e a isso certamente não será alheia a estratégia dos noruegueses para aumentar as suas exportações. Na minha opinião a tendência para aumentar a importação de salmão é notória.
Por outro lado o mercado da pesca a nível mundial é um mercado global. Um terço daquilo que se captura é comercializado à escala mundial, desde as mariscadas aos congelados, há muito produto importado. Estes três factores influenciam fortemente as importações.
Por outro lado o possível reequilíbrio no setor, que fazemos com alguns produtos, nomeadamente o bacalhau a que acrescentamos valor, pois aqui é transformado e depois exportado, as conservas que aumentaram muito o ano passado e também o nicho dos congelados cujas exportações têm vindo a aumentar. Noto que em valor as exportações de produtos da pesca passaram de 300 milhões em 2000 para próximo dos 800 milhões de euros em 2011.
Se conseguirmos aumentar a produção em aquicultura em 100.000 mil toneladas podemos de facto reduzir fortemente o nosso desequilíbrio, mas permanecerá sempre um desequilíbrio crónico pelas razões já apontadas.
Fonte: ACOPE com Mundo Português
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