Ao largo da costa algarvia passa uma rota migratória de atum bluefin, uma das espécies mais procuradas pelos apreciadores de su- shi, e alguns dos peixes capturados chegam a pesar 200 quilos. "O melhor atum servido nos melhores restaurantes japoneses é português", congratula-se Nuno Vieira e Brito, secretário de Estado da Alimentação e da Investigação Agroalimentar.
Em menos de dois anos quando ainda era diretor-geral de Alimentação e Veterinária e já depois de ter assumido, há um ano, a Secretaria de Estado tutelada pelo Ministério da Agricultura e do Mar o governante visitou o Japão por duas vezes, para pressionar e desbloquear uma das maiores barreiras ao aumento das exportações agrícolas e alimentares portuguesas para países fora da União Europeia: os constrangimentos fitossanitários, que implicam um apertado controlo técnico e a abertura de dossiês de habilitação destes produtos.
"Todos aqueles que são considerados produtos SPS (sanitary andphytossanitary system), e que são passíveis de serem portadores de doenças que podem ser transmitidas aos países de exportação, necessitam obrigatoriamente de um documento de certificação. Um por cada mercado onde pretendam entrar", explica o secretário de Estado que, entre outras funções, acompanha o processo de internacionalização do sector agroalimentar.
"Fomos o primeiro país europeu a solicitar a habilitação da cereja para o Japão. E esse dossiê, pelo valor extraordinariamente simbólico das cerejeiras nesse país, sob o ponto de vista do controlo, é qualquer coisa de impressionante. Obriga-nos a uma intensa pesquisa sobre as pragas que temos em Portugal, os respetivos sistemas de controlo e execução dos mesmos. Têm de ter a certeza de que estas doenças não entram no Japão por via das cerejas portuguesas", exemplifica.
Dossiês com mais de 10 anos Desde meados de 2011, o Ministério da Agricultura, com o Ministério dos Negócios Estrangeiros (então nas mãos de Paulo Portas, agora vice-primeiro-minis- tro, que continua a acompanhar esta matéria) e a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), uniram esforços para desbloquear dossiês de habilitação há muito parados e iniciar novos processos de certificação e que abrangem 69 países.
Alguns dossiês tinham sido abertos há mais de uma década, como o processo de habilitação de morangos para a África do Sul, em 1994; o de carne de porco para o Japão, em 1998; ou o de leite e laticínios para a China, em 2001. "Obviamente, Portugal não teve a celeridade necessária para fechar estes processos. O dossiê do Japão, por exemplo, só estava dependente de um convite formal de Portugal a uma comitiva japonesa, para comprovar o nosso sistema de controlo veterinário. Mas ninguém se tinha lembrado de o fazer", conta Nuno Vieira e Brito.
Entre 2012 e 2013, foram concluídos diversos dossiês de exportação para 51 mercados, que correspondem à habilitação de 114 produtos ou grupos de produtos desde animais vivos, carne e seus derivados, laticínios, fruta, hortícolas, até produtos genéticos, como embriões e sémen de animais. O azeite, o vinho e a cerveja de malte, os produtos agroalimentares mais exportados por Portugal, não necessitam deste tipo de certificação. Se bem que mais de 65% das exportações nacionais deste sector tenham como destino a Europa, a aposta na diversificação de mercados está a resultar, já que as vendas aos países extracomunitá- rios são as que mais crescem.
Norte de África e Rússia em alta Em 2013 (dados entre janeiro e novembro), segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), as exportações agroali- mentares globais cresceram 7,3% (valem agora €5,1 mil milhões) face ao mesmo período do ano anterior. Mas o valor aumenta nas contas das vendas para países terceiros: 12,1%, que compara com o crescimento de 5,1% nas exportações dentro do espaço europeu.
Angola, que depois de Espanha é o nosso maior cliente de bens agrícolas e alimentares, comprou mais 8,8% de produtos agrícolas e alimentares a Portugal, quase tanto como o Brasil (8,7%) e um pouco menos do que os Estados Unidos (13,8%). Mas foi para países como Marrocos (222%), Argélia (218%) e Rússia (136%) que Portugal mais aumentou as exportações em 2013.
Marrocos já comprava carne de bovino e de ovino de origem portuguesa. Mas era primeiro vendida a Espanha para poder entrar, depois, em território marroquino. No caso da Rússia, a procura pela carne portuguesa aumentou depois de terem suspendido a importação de carne de suínos espanhóis, com dúvidas quan-to à qualidade do sistema de certificação e controlo veterinário. Portugal, por já estar autorizado a exportar carne de porco e seus derivados para aquela geografia, saiu a ganhar: em 2012, exportou €300 mil daquele grupo de produtos; em 2013, o valor saltou para €6 milhões. "Não são processos fáceis, até porque são diferentes de país para país. Além disso, a abertura de novos processos implica um enorme trabalho técnico, assim como um esforço financeiro na promoção de missões dos países estrangeiros a Portugal para certificarem o nosso sistema", refere o secretário de Estado.
Daí a "lentidão" de que muitos destes dossiês padecem. Muitos por questões técnicas (há dossiês que têm mais de 80 páginas só de caracterização das doenças e pragas) e puramente burocráticas, "que andam para trás e para a frente, porque as duas partes não se conseguem explicar bem"; outras, por alguma má vontade de países "protecionis- tas", que impõem dificuldades "penosas" e exigem "tudo e mais alguma coisa" em processos como o da rotulagem dos produtos. É aí que se torna "fulcral" o papel da diplomacia económica. "Quando entreguei o dossiê da carne de porco na China, em 2012, a autoridade veterinária chinesa avisou-me que tínhamos 60 países à nossa frente. Mas fizemos visitas oficiais, eu próprio desloquei-me duas vezes ao país, criámos uma ligação muito próxima. Já nos comunicaram que analisaram e aprovaram o nosso dossiê e que, este ano, virão a Portugal fazer o controlo da certificação do nosso sistema, às empresas nacionais e aos matadouros", afirma Vieira e Brito.
CINCO PERGUNTAS A Nuno Vieira e Brito Secretário de Estado da Alimentação e da Investigação Agroalimentar
Como são desencadeados os processos de habilitação fitossanitária?
Muitas vezes são as empresas que vêm ter connosco. Por exemplo, esta semana, uma empresa veio ter connosco, dizendo que queria fazer exportação de peixes ornamentais para Taiwan. Uma grande parte do trabalho é feito pela AICEP e pela rede de embaixadores portugueses, que detetam dossiês parados e oportunidades de negócio para as empresas portuguesas lá fora e acionam o mecanismo da certificação veterinária. Queremos seguir, em breve, o modelo do Reino Unido, que liberalizou este sistema: são as empresas que ajudam as autoridades oficiais. Já estamos a trabalhar com associações (como a Portugal Fresh e a Portugal Foods), que nos estão a ajudar na identificação de oportunidades.
Que procedimentos implicam?
São muito variáveis de país para país. Todos eles implicam um elevado esforço técnico no preenchimento dos dossiês de habilitação, sobretudo no que diz respeito à descrição das doenças e pragas passíveis de serem detetadas nestes produtos, assim como análises técnicas feitas nos países de destino. Implicam também a vinda de comitivas desses países para avaliarem o nosso sistema de controlo, o que traz sempre um esforço financeiro para Portugal, que muitas vezes suporta essas missões. Depois, há países, como a Rússia, que, além da habilitação dos produtos, exigem a certificação das empresas exportadoras, daí termos sempre dossiês em constante negociação. Já há 44 empresas certificadas e outras 41 esperam pela aprovação russa, que manda uma comitiva de dois em dois anos.
Olham para as geografias ou para os produtos?
Trabalhamos por mercados, mas claro que olhamos para os produtos que têm maior valor e capacidade de transformação. Faz sentido olhar para a geografia, porque estão envolvidos custos logísticos que as empresas têm de analisar. Por isso, pensamos em termos de península Arábica e focaliza- mo-nos no sector das carnes, sobretudo de aves, caprinos e ovinos, assim como ovos. Para a região do Magrebe, têm seguido muitos animais vivos. Na América Latina, o sector das frutas tem um grande potencial. O sector dos laticínios também é crucial para nós: em menos de um ano, já vendemos €1 milhão para a China.
Este ano, que missões visitarão Portugal para certificarem produtos?
Há dois meses fomos visitados por Marrocos. Neste momento, está uma missão dos Estados Unidos. E, em breve, cá teremos a China e Israel. Rússia e Venezuela chegarão em meados deste ano. Nos próximos dias 23 e 24 de janeiro, a China visitará Portugal, acompanhada por uma comitiva da Comissão Europeia, com quem está a negociar a elaboração de um documento de habilitação comum para os 28 Estados-membros, no que diz respeito à carne de porco e laticínios. A China escolheu Portugal para ser um caso de estudo no que diz respeito ao sistema de controlo e certificação da carne de porco, que é considerado exemplar. Espanha é destacada no sector do leite.
A criação desta secretaria de Estado veio desburocratizar estes processos?
Naturalmente, está a agilizar os dossiês, uma vez que damos uma resposta mais focada e técnica às exigências dos outros países. Além disso, ao termos também a função de acompanhar a área da qualidade e segurança alimentar, estamos a dar confiança, a nível nacional e internacional, de que os nossos produtos são seguros.
Fonte:Expresso
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